Foto: Felipe Gombossy/Editora Globo
A
cada ano, 1,3 bilhão de toneladas de lixo são produzidas em cidades do
mundo todo. Essa quantidade ainda deve dobrar. De acordo com o Programa
da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), em 2025 o número chegará aos 2,2
bilhões, colocando-nos em uma espécie de crise global de lixo em que o
principal vilão é a má gestão por parte dos governos.
No
Brasil, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos determina que, até 2014,
todos os lixões sejam extintos no país. “Acho a meta positiva, mas não
acredito que será tão rápido”, afirma Jorge Hargrave, do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que divulgou em outubro um
mapeamento da gestão de resíduos. Os resultados mostram que, embora a
quantidade de lixo levada para aterros sanitários tenha crescido 120%
nos últimos anos, a maior parte ainda é despejada nos lixões e aterros
controlados (entenda as diferenças ao lado), gerando de problemas de
saúde pública e poluição atmosférica até questões de transporte. “Na
Amazônia, alguns aeroportos fecham durante o dia, pois não há teto para
decolagem e pouso, tamanha a quantidade de urubus atraídos por lixões”,
afirma Luciano Basto, especialista em planejamento energético e
professor de pós-graduação em engenharia na UFRJ.
Mas o que é problema pode se tornar solução. “Temos a oportunidade de
converter os resíduos em combustível, dinamizando a economia interna e
gerando postos de trabalho”, diz Basto. Os projetos de aproveitamento do
lixo para geração de eletricidade já têm seus representantes no Brasil.
Mundo afora, soluções ultratecnológicas já são aplicadas. Transformar
plástico usado em petróleo, usar cerveja vencida para acelerar a
formação de gases e extrair ouro puro de celulares velhos são algumas
das alternativas hi-tech que você conhece a seguir.
1) Aterro Hi-tech
Cerveja para as bactérias
Quando
restos de comida, papel, folhas de árvore ou qualquer outro tipo de
matéria orgânica vai para os aterros, com o tempo, se decompõem. Mas
esse prazo pode ser mais longo do que se pensava. Um estudo da
Universidade do Arizona encontrou bifes de 15 anos de idade intactos e
jornais de 30 anos ainda legíveis. O que não é nada positivo quando a
ideia é aproveitar o metano que resulta da decomposição.
Pensando nisso, a Waste Management, maior companhia americana de
gestão de resíduos, investiu em um método que consiste em instalar um
encanamento no solo dos aterros e fazer circular ar nas camadas
superiores e um líquido que mistura cerveja e refrigerantes vencidos nas
inferiores. O ar ajuda a degradar o material orgânico das superfícies e
acelera a produção de metano abaixo. Com o processo, a geração de gás
tornou-se quatro vezes mais rápida e os resíduos acumulados diminuíram
em 35%, aumentando a vida útil do aterro.
A
produção de energia a partir do lixo é um dos principais focos da
companhia, que estimou que as 112 milhões de toneladas de resíduos que
jogou fora em 2011 teriam gerado mais de US$ 40 bilhões se tivessem sido
convertidas em eletricidade.
2) Crédito de Carbono
Dando o maior gás
Uma
das maneiras mais básicas de se aproveitar o metano produzido em
aterros é esperar o tempo natural para a maior parte dos detritos se
decompor (20 anos) e, ao final do processo, recolher o gás e queimá-lo
para geração de eletricidade. Pode não ser a forma mais eficiente —
muitas vezes, a captura acontece quando o aterro se fecha —, mas ao
menos se evita a dispersão de um gás com poder de efeito estufa 23 vezes
maior do que o CO2.
A técnica vem sendo
aplicada em cerca de 35 aterros brasileiros. O pioneiro é o NovaGerar,
de Nova Iguaçu (RJ), que iniciou um projeto nesses moldes em 2004 e se
tornou o primeiro aterro do mundo a vender créditos de carbono — pelo
Protocolo de Kyoto, quando se deixa de poluir em países em
desenvolvimento, é possível comercializar esse “crédito” para países
ricos.
Depois, vieram projetos maiores, como os
dos aterros São João e Bandeirantes, na cidade de São Paulo, que juntos
respondiam por quase um quarto das emissões de gases de efeito estufa da
capital. A captura do gás passou a gerar energia suficiente para o
consumo de 800 mil pessoas. Os créditos de carbono do projeto foram
negociados por R$ 140 milhões, metade ficou para as empresas privadas
que bancaram o projeto e a outra metade para a prefeitura de São Paulo,
que não teve custo nenhum e ainda fez bonito.
3) Biodigestão
Carro movido a lixo
Abastecer
o carro com lixo não é mais coisa do filme De Volta para o Futuro, mas
do presente. Em Estocolmo, na Suécia, metade da frota de ônibus
municipal circula com combustível gerado a partir do lixo orgânico e
esgoto. Essa poderia ser uma boa oportunidade por aqui. “O lixo
brasileiro é de país subdesenvolvido, a maior parte é resto de comida”,
afirma Luciano Basto. Do total dos resíduos gerados, 51% são matéria
orgânica e apenas 1,6% passa pela compostagem para virar adubo.
A proposta é encaminhar essa montanha de lixo não para aterros,
mas para biodigestores, usinas com enormes tanques cheios de bactérias
famintas. “Os orgânicos são a dieta preferida delas, o que acelera o
processo de decomposição dos resíduos e aumenta a produção de gás”, diz
Basto.
Ao final de 18 dias, já se teria o biogás
(mistura de metano, CO2 e água, entre outros componentes). Depois de
tratado, o composto poderia atingir uma concentração de metano de até
99%, mais do que os 96% exigidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP)
para ser usado como combustível para veículos. Assim, o produto poderia
ser colocado diretamente no tanque de carros, além de substituir o
diesel em frotas de caminhões e ônibus. “Vale mais a pena do que queimar
o gás. No Brasil, a eletricidade gerada pelo lixo é cara se comparada
às outras fontes que temos, mas o gás é barato frente ao diesel e à
gasolina.”
4) Incineração/Gaseificação
Bota fogo
A
Holanda é um país-exemplo no tratamento de resíduos sólidos. Recicla
80% deles e só joga 4% em aterros. Os outros 16% são queimados e geram
eletricidade. “Quando se fala em grandes volumes de resíduo, a
tecnologia mais madura é a incineração”, afirma o engenheiro mecânico e
doutor pelo MIT Josmar Pagliuso. Nesse caso, se aproveita o calor da
combustão para gerar vapor d'água que movimenta as turbinas de um
gerador.
Apesar de difundida no Japão e em países
como Suíça e Alemanha, a incineração gera polêmica por se acreditar que
não seria possível controlar totalmente a emissão de dioxinas e
furanos, componentes altamente tóxicos. Pagliuso argumenta que a
quantidade dissipada é tão pequena que seria difícil encontrar um
laboratório capaz de medi-la. "Eu não estaria desconfortável ao lado de
um incinerador que funcionasse com tecnologias modernas”, diz. Isso quer
dizer um processo de limpeza de alta capacidade. “Mas precisaria de
tantos filtros que se inviabilizaria”, afirma Jorge Hargrave, do Ipea.
Na Alemanha, as plantas de incineração custaram tanto que foi preciso
passar a importar lixo da Itália para fazer o investimento valer.
Uma alternativa que vem se desenvolvendo é a gaseificação do
lixo que gera gases como monóxido de carbono e hidrogênio, de poder
combustível. Aí sim, eles são queimados para gerar eletricidade. “O
aproveitamento de energia sobe de 25% a 40% em relação à incineração. E
você filtra o gás antes de queimar”, diz Pagliuso. Assim, as emissões
finais praticamente não requerem tratamento. “É um processo mais
complicado, porém mais limpo.”
5) Fábrica de Petróleo
Caminho de volta
Para
se fabricar plástico, primeiro se extrai petróleo, sua principal
matéria-prima. A Agilyx, empresa sediada em Oregon, nos EUA, levou essa
lógica ao revés e está tirando petróleo de plástico — evitando as
operações complexas e poluentes para se conseguir o material fóssil em
alto- mar. No processo, todo tipo de plástico — inclusive o que estiver
sujo, contaminado ou engordurado — é aquecido até a forma gasosa, depois
passa para um sistema central de condensação. Dali, já sai o óleo cru,
como é chamado o petróleo bruto. A usina tem capacidade de converter 10
toneladas de plástico em 2.400 galões de petróleo a cada dia. E não
concorre com a reciclagem, uma vez que só utiliza material que iria
parar de qualquer maneira no aterro por ser difícil de ser
reaproveitado.
6) Usina de açúcar
Perfume no ar
A
ideia de fazer produtos cheirosos com insumos que vêm do lixo não
parece boa. Mas é uma das sugestões da startup americana Renmatix. A
empresa transforma sobras de madeira em um tipo de açúcar que pode
substituir o petróleo na fabricação de combustíveis, plásticos e
embalagens, ou químicos de alto valor agregado, como os usados em
perfumes. A companhia usa água em alta pressão e temperatura para
dissolver a celulose presente em materiais orgânicos. O açúcar que
resulta do processo pode ser fermentado para produzir etanol e outros
químicos. Recentemente a empresa recebeu um investimento de US$ 75
milhões para testar a técnica com resíduos urbanos, como papel, papelão e
entulhos. Se funcionar, pela primeira vez teremos cheiro bom vindo do
lixo. A ideia de fazer produtos cheirosos com insumos que vêm do lixo
não parece boa. Mas é uma das sugestões da startup americana Renmatix. A
empresa transforma sobras de madeira em um tipo de açúcar que pode
substituir o petróleo na fabricação de combustíveis, plásticos e
embalagens, ou químicos de alto valor agregado, como os usados em
perfumes. A companhia usa água em alta pressão e temperatura para
dissolver a celulose presente em materiais orgânicos. O açúcar que
resulta do processo pode ser fermentado para produzir etanol e outros
químicos. Recentemente a empresa recebeu um investimento de US$ 75
milhões para testar a técnica com resíduos urbanos, como papel, papelão e
entulhos. Se funcionar, pela primeira vez teremos cheiro bom vindo do
lixo.
7) Plasma
Digno de estrelas
Lixo
hospitalar, metais pesados e outros contaminantes podem virar pó — ou
melhor, grãos —, embalados em vidros e usados na fabricação de asfalto,
não oferecendo mais riscos à saúde e meio ambiente. Essa seria a grande
vantagem da tecnologia de plasma, já aplicada em plantas das Forças
Aéreas americanas, além de aterros que recebem lixo urbano nos EUA,
França e Japão.
O plasma — espécie de gás
carregado de eletricidade considerado o quarto estado da matéria, que
compõe as estrelas — é usado para degradar materiais que resistem a uma
primeira etapa de gaseificação. A temperatura no tanque onde ficam as
tochas com plasma chega aos 9.000 ºC. “Vale a pena para lixo tóxico e em
pequenas quantidades porque o processo demanda muita energia elétrica”,
afirma Pagliuso. Mesmo gerando eletricidade, ela não seria suficiente
para dar conta do funcionamento da máquina.
8) Reciclagem